Frequentemente, consumidores, nos termos do artigo 2º da Lei 8.078/90 e sob a regência do trato relacional do mesmo Diploma Legal, têm sofrido fraude em cartão de crédito.
São pessoas surpreendidas com diversas compras que simplesmente não realizaram, procedendo oportunamente com a contestação dos valores junto ao banco emissor do cartão de crédito, bem como realizado boletim de ocorrência, para documentar a atuação fraudulenta de clonagem do cartão de crédito e reclamação administrativa no Procon para que pudessem resolver amigavelmente o impasse. Mas sem sucesso na efetiva resolução.
O resultado mais comum é que, a despeito da efetiva tentativa de resolução amigável, as operadoras recusam-se a cancelar a parte mais substancial dos débitos indevidamente lançados na fatura do cartão de crédito.
Por meio de atuação completamente atípica, irregular e fraudulenta, são realizadas compras no cartão de crédito, estranhas ao conhecimento dos consumidores. São notáveis as compras realizadas de modo a fugir do perfil destes.
É de conhecimento público que a realização de transações que fogem aos padrões habituais dos clientes costuma gerar alerta para a adoção de medidas pelas empresas, que variam do contato com o cliente para confirmação das transações ao bloqueio imediato da conta. Trata-se de procedimento padrão de qualquer empresa que atue com seriedade no mercado e controles preventivos de fraude adequados.
De certo que é inadmissível que uma empresa se recuse a tomar providências efetivas acerca do cancelamento de débitos efetivamente lançados na fatura. É direito do consumidor ver cancelados e creditados valores indevidamente lançados na sua conta, mormente quando o consumidor contesta as transações em referência e indica que se trata de fraude.
Inegavelmente, a ocorrência de fraude em cartão de crédito é fortuito interno, do qual as operadoras de cartão de crédito têm conhecimento, ou seja risco da própria atividade desenvolvida e que deve ser suportada pelas emissoras.
De toda sorte é aplicável o artigo 14, Código de Defesa do Consumidor, à hipótese de fraude em cartão de credito: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.
Ressalta-se que a responsabilidade dos bancos emissores de cartão de crédito, como prestadores de serviços, é objetiva. Referido entendimento advém da teoria do risco do negócio adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, colacionando-se o entendimento de Carlos Roberto Gonçalves: “A responsabilidade deve recair sobre aquele que aufere os cômodos (lucros) da atividade, segundo o basilar princípio da teoria objetiva: Ubi emolumento, ibi ônus”.[1]
Especificamente, há certas emissoras que se recusam ao estorno dos lançamentos, caso os consumidores não façam a contestação no prazo de 90 dias ou semelhante, o que é abusivo. Cuida-se então de hipótese em que a operadora chega a reconhecer que houve cobrança indevida na fatura, tanto que reconhece valor lançado de modo incorreto, mas não admite o estorno da despesa, negando-se ao reembolso do efetivamente devido .
É irrazoável, abusivo e ilegal que se alegue o exíguo prazo de 90 dias ou semelhante para contestação de compras no cartão de crédito, sob pena de perda do direito de fazê-lo.
Conclusivo ainda que eventual remessa do impasse da contestação à solução judicial é avolumar o Poder Judiciário, quando ainda, sabidamente, trata-se de reclamação que é feita ao Banco de modo reiterado por diversos consumidores.
Seria como se a instituição financeira se subrrogasse no poder de escolher qual o débito será cobrado do consumidor ou não, a seu bel prazer, ignorando a existência de fraude e de efetiva contestação, fixando um prazo de dias para impugnação da despesa, num contrato de adesão, via de regra, sem qualquer cláusula de destaque a respeito da limitação administrativa efetivamente praticada em desvantagem ao consumidor.
“No caso de utilização de cartão de crédito para compras na rede mundial de computadores, em razão das peculiaridades do ambiente virtual e da ampla facilidade de acesso a dados, como nos casos de clonagem de cartões e obtenção de informações mediante a utilização de programas específicos e criados com tal finalidade fraudulenta, há que se atentar para a circunstância de que as instituições bancárias têm motivos para, ao menor sinal de utilização de dados fora de um determinado padrão do cliente, bloquear cartões e senhas para posteriormente averiguar a regularidade das transações”.
JFSC, Processo 5016175-62.2020.4.047201/SC
Irrefutável assim, que o consumidor dispõe de ferramentas, para tentar tanto administrativa quanto judicialmente o estorno de valores indevidamente lançados, atuando frontalmente contra condutas abusivas, no desiderato de que estas sejam desestimuladas.
Fernanda Giorno de Campos, advogada, pós graduada em Direito Econômico e Setores Regulados pela Fundação Getúlio Vargas, é sócia do Lopes & Giorno Advogados
[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8ª Edição. SãoPaulo: 2003, p. 339.