O coronavírus representou uma reviravolta mundial, atingindo impactos na saúde inesperados, com reflexos nos hábitos de vida, no contato entre as pessoas, na esfera econômica e, especificamente, nos prejuízos ao consumidor.
Com viagens marcadas e destinos longamente esperados, diversos viajantes e passageiros encontraram-se diante do desafio de cancelarem seus passeios. Sonhos postergardos.
Assim, ao procederem com o cancelamento da viagem, os passageiros não vivenciaram apenas o dissabor de ver o lugar do mundo adiado do mapas dos seus sonhos, mas também com dispêndios financeiros inesperados, seja com a taxa da remarcação da passagem, seja com a notícia de que em nada seriam reembolsados pela companhia aérea ou pela agência de turismo.
A viagem passava então a ser um quebra-cabeça de incertezas, com perguntas como: “tenho que perder minha passagem por conta do coronavírus? Há direito ao reembolso da minha passagem aérea? Perdi todo o valor pago ao meu hotel? Por ter comprado em promoção, não tenho direito a qualquer reembolso? Por ter assinalado a ‘opção não reembolsável’, perdi todos os pagamentos por conta do coronavírus?”
Nesse cenário, advieram várias orientações ao consumidor, ora reiteradas, na tentativa de fornecer caminhos em meio à estrada tortuosa advinda com o coronavírus:
a) é preciso entrar em contato com a companhia aérea ou com a agência de turismo, com o máximo de antecedência. A antecedência demonstra boa-fé e permite que operadoras de turismo e empresas de aviação possam tentar revender os bilhetes não mais desejados;
b) Caso não haja colaboração da companhia aérea ou da agência de turismo para a devolução do valor ou remarcação do bilhete, com eventual cobrança de pequena taxa, o passageiro pode se valer de órgãos de proteção ao consumidor, como o Procon ou consumidor.gov.br, sem prejuízo de se socorrer de sites como o ReclameAqui;
c) Sem sucesso no contato com a companhia aérea ou com a agência de turismo, ou via resolução administrativa, resta a alternativa da via Judicial. Devendo ser visto como o último caminho a ser percorrido, o Judiciário é o caminho da batalha do consumidor, para obter devolução de parte de seus bilhetes ou de valores pagos em hotéis.
Situação semelhante à pandemia do coronavírus já foi vivida diante da expansão do H1N1.
Quando os consumidores se socorriam do Judiciário nessa situação, obtiveram decisões favoráveis desse órgão, seja no Tribunal de Justiça de São Paulo, seja no STJ:
“Prestação de serviços. Pacote turístico. O agravamento da epidemia de gripe causada pelo vírus H1N1, nos países da América do Sul, era imprevisível, especialmente na data em que o pacote foi adquirido. Deste modo, não é razoável exigir que a requerida devolva a integralidade dos valores pagos pelos requerentes, sendo cabível a retenção do valor correspondente à multa de 20% prevista contratualmente. Entretanto, a cobrança de penalidades adicionais, dependeria de prova do efetivo pagamento pela requerida aos fornecedores internacionais, o que, de fato, não há.”
TJSP, Apelação 0017080-71.2010.8.26.0019, Relatoria de Gomes Varjão, julgada em 29 de setembro de 2014.
No julgamento da apelação, complementa que:
“A circunstância ensejadora do cancelamento do pacote turístico não pode ser atribuída a qualquer das partes. Com efeito, o agravamento da epidemia de gripe causada pelo vírus H1N1, nos países da América do Sul, era imprevisível, especialmente na data em que o pacote turístico foi adquirido.
Deste modo, não é razoável exigir que a requerida devolva a integralidade dos valores pagos pelos requerentes. Frise-se que há disposição contratual expressa que prevê a retenção de 20% do valor pago, nos casos em que o cancelamento do pacote ocorrer menos de 15 (quinze) dias antes do início da viagem, hipótese dos autos.”
Pontua-se que o fato de o cancelamento da viagem não poder ser atribuído a nenhuma das partes mitiga o reembolso integral do passageiro. Mas ainda assim, diante da vulnerabilidade do consumidor perante grandes empresas e, com existência de força maior (H1N1 na época e coronavírus atualmente), o passageiro acaba sendo a parte mais fragilizada, não podendo ser obrigado a arcar com os custos de modo integral, mas de modo mitigado, num percentual de 5% a 20%.
Por fim, colaciona-se julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em que houve determinação de que o valor pago fosse devolvido de modo integral, pela mesma razão do cancelamento da viagem por H1N1, podendo-se, por uma analogia, fazer o paralelo com o coronavírus:
“RESPONSABILIDADE CIVIL TRANSPORTE AÉREO Aquisição de passagens aéreas para o México – Rescisão contratual solicitada pela consumidora, em razão de pandemia do vírus H1N1 no País de destino – Pedido de isenção da multa de 20% pelo desfazimento do negócio Cabimento – Direito ao ressarcimento integral do valor pago reconhecido pela fornecedora, escudado em posicionamento do Ministério da Saúde Multa – Cominação para o caso de descumprimento da ordem judicial que determinou a cessação das cobranças das parcelas – Medida que busca evitar comportamento revelador de resistência ou descaso no cumprimento da ordem – Legitimidade e necessidade na imposição Valor adequado – Alegação de impossibilidade de cumprimento da decisão, por demandar providência de empresa estranha, subcontratada pela fornecedora para cumprimento do contrato – Descabimento – Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor Art. 14, § 3º, da Lei Consumerista – Responsabilidade objetiva do fornecedor pelo dano causado por defeito na prestação de serviços Sentença mantida – Recurso não provido.” (grifos nossos)
TJSP, Apelação 0022115-15.2009.8.26.0482, Relatoria de Mario de Oliveira, julgado em 11/12/2013.
Assim, cabe ao consumidor, que não obtiver êxito de modo amigável, procurar orientação para o exercício de seus direitos.