O benefício fiscal para sociedades médicas empresárias da incidência de 8% sobre base de cálculo para imposto de renda sobre pessoa jurídica (IRPJ) e de 12% sobre contribuição social sobre lucro líquido (CSLL) tem amparo no artigo 6º da Constituição Federal, na Lei 9.249/95 e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a partir do RESP 1.116.399/BA, afetado ao Tema 217 de Recursos Repetitivos.
Dispõe o artigo 15, parágrafo 1º, III, “a”, Lei 9.249/95 que:
Art. 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de 8% (oito por cento) sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto no art. 12 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, deduzida das devoluções, vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos, sem prejuízo do disposto nos arts. 30, 32, 34 e 35 da Lei no 8.981, de 20 de janeiro de 1995.
III – trinta e dois por cento, para as atividades de prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas, desde que a prestadora destes serviços seja organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa; (…) (grifos nossos).
Por seu turno, preceitua o artigo 20, III, da mesma Lei sobre o percentual de 12% para a CSLL, nas hipóteses em que houver tal enquadramento:
Art. 20. A base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) devida pelas pessoas jurídicas que efetuarem o pagamento mensal ou trimestral a que se referem os arts. 2º, 25 e 27 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, corresponderá aos seguintes percentuais aplicados sobre a receita bruta definida pelo art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, auferida no período, deduzida das devoluções, das vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos:
I – 32% (trinta e dois por cento) para a receita bruta decorrente das atividades previstas no inciso III do § 1º do art. 15 desta Lei;
II – 38,4% (trinta e oito inteiros e quatro décimos por cento) para a receita bruta decorrente das atividades previstas no inciso IV do § 1º do art. 15 desta Lei; e
III – 12% (doze por cento) para as demais receitas brutas. (grifos nossos)
De certo que alguns requisitos são exigidos para o preenchimento do benefício para sociedades médicas constituídas sob a forma de empresárias, com registro perante a Junta Comercial, na forma do artigo 1150 do Código Civil e desde que atendam aos requisitos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), fazendo-se prova da regularidade sanitária, com licença ou alvará de funcionamento, emitidos por órgãos sanitários competentes, exercendo serviços hospitalares.
A partir do julgado paradigma 951.251/PR, exarado pela 1ª Seção do STJ, passou-se à interpretação objetiva do artigo 15, parágrafo 3º,”a”, Lei 9.249/95, no que se refere à concessão do benefício fiscal, entendendo-se o termo “serviços hospitalares” com foco na forma como são prestados e não no contribuinte que os executa. A isto, confere-se exegese de atividades desenvolvidas pelos hospitais, com foco na promoção da saúde, excluindo-se da expressão as consultas médicas, que não se confundem com atividades hospitalares, sendo tidas como próprias de consultórios.
Sob outro prisma, o julgado REsp 1.116.399/BA do STJ, afetado ao Tema 217 dos Recursos Repetitivos, encerrou divergências sobre a interpretação teleológica dos requisitos objetivos exigidos para a configuração do benefício fiscal, com base no artigo 111 do Código Tributário Nacional, assentando uma análise objetiva sobre os serviços hospitalares, pontuando que regulamentos emanados da Receita Federal não têm o condão de criar requisitos não exigidos na Lei.
Cuida-se de estabelecimento de balizas, para a proteção do comando legal, afastando normatização infralegal que venha a criar embaraços à concessão do benefício fiscal, quando o contribuinte faz jus ao seu enquadramento. Não apenas, sob a análise do artigo 6º, Constituição Federal, quando no desempenho de atividades suplementares de saúde, referente a serviços hospitalares, há verdadeira proteção à saúde no mister do seu desenvolvimento, notadamente quando estruturas semelhantes a hospitalares possuem alto custo e árduo trabalho – razão a ensejar a concessão do benefício fiscal.
Nessa toada, exigências da Receita Federal, como a de que as sociedades empresárias, candidatas ao benefício tenham internação hospitalar de pacientes, não podem ser admitidas, sob pena de desvirtuamento da intenção legislativa.
De toda sorte, foi o sentido legal conceder benefício a sociedades empresárias que já têm alto custo em suas instalações, com desempenho de verdadeiras atividades hospitalares, afastando-se do conceito de consultórios médicos, uma vez que o desempenho apenas de consultas não se enquadra no requisito para obtenção do benefício fiscal.
Tributo | Alíquota | Base de cálculo para sociedades médicas empresárias que desempenhem serviços hospitalares e atendam aos requisitos da ANVISA e tenham lucro presumido | Base de cálculo para sociedades médicas que não desenvolvam atividades hospitalares, nem sejas constituídas sob a forma de empresárias e não atendam ao requisito da ANVISA |
IRPJ | 15% | Base de 8% | Base de 32% |
CSLL | 9% | Base de 12% | Base de 32% |
Inequívoco que se trata de significativa redução na carga tributária para as sociedades médicas empresárias que se enquadrarem nos requisitos para a concessão do benefício fiscal.
O julgado paradigma, REsp 1.116.339/BA, com orientação pacificada no STJ, foi irretocável quanto à objetividade da análise do desenvolvimento da atividade de serviços hospitalares equiparados por sociedades empresárias que atendam aos requisitos da ANVISA, conforme se verifica:
“Por ocasião do julgamento do RESP 951.251-PR, da relatoria do eminente Ministro Castro Meira, a 1ª Seção, modificando a orientação anterior, decidiu que, para fins do pagamento dos tributos com as alíquotas reduzidas, a expressão “serviços hospitalares”, constante do artigo 15, § 1º, inciso III, da Lei 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pelo contribuinte), porquanto a lei, ao conceder o benefício fiscal, não considerou a característica ou a estrutura do contribuinte em si (critério subjetivo), mas a natureza do próprio serviço prestado (assistência à saúde). Na mesma oportunidade, ficou consignado que os regulamentos emanados da Receita Federal referentes aos dispositivos legais acima mencionados não poderiam exigir que os contribuintes cumprissem requisitos não previstos em lei (a exemplo da necessidade de manter estrutura que permita a internação de pacientes) para a obtenção do benefício. Daí a conclusão de que “a dispensa da capacidade de internação hospitalar tem supedâneo diretamente na Lei 9.249/95, pelo que se mostra irrelevante para tal intento as disposições constantes em atos regulamentares”.
Assim, devem ser considerados serviços hospitalares “aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde”, de sorte que, “em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos“. (grifos nossos)
Na mesma toada, recente julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
“Registre-se, ainda, que os serviços hospitalares podem ser realizados em estabelecimento próprio ou de terceiros, pois não é da essência do benefício que se identifique a existência de estrutura própria, mas sim prestação de serviço hospitalar por sociedade empresária com observância das normas da ANVISA.
Reforça tal conclusão a percepção de que exercício empresarial não exige, intrinsicamente, instalações autônomas, e nenhuma definição conceitual de empresa sujeita-se à existência de estruturas físicas próprias”.
TRF3, Apelação cível 5012322-14.2019.4.03.6100, Relatoria de Carlos Muta, j. em 25/05/2022
Na esteira do pedido de concessão do benefício fiscal para sociedades médicas empresárias que desenvolvam atividades de serviços hospitalares, também cabe o pedido de repetição do indébito do valor tributário a maior.
Em outros termos, a sociedade médica empresária tem direito à devolução do valor da diferença da base de cálculo de 32% para 8% sobre IRPJ e 12% sobre CSLL, desde a data do registro da sociedade na Junta Comercial, com incidência da taxa SELIC sobre cada recolhimento feito a maior.
De certo que tal pedido de repetição do valor deve ser feito dentro do prazo de cinco anos, sob pena de prescrição.
Nesse sentido, o julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região é cristalino:
“Reconhecido o indébito fiscal, tem o contribuinte direito, nos termos do pedido, à repetição do IRPJ/CSLL que foi recolhido a maior, desde a data do registro na JUCESP como sociedade empresária, observado o trânsito em julgado e a incidência exclusiva da taxa SELIC a partir de cada recolhimento indevido”.
TRF3, Apelação cível 5012322-14.2019.4.03.6100, Relatoria de Carlos Muta, j. em 25/05/2022
Conclusivo que o contribuinte que se enquadre nos requisitos legais tem direito ao benefício fiscal de redução de base de cálculo do IRPJ e da CSLL, na tônica da proteção à saúde que exerce, não cabendo à Receita Federal criar óbices ao exercício de tal direito, restando ao contribuinte se valer de auxílio do Poder Judiciário.
Conteúdo informativo – Direito Tributário: Lopes & Giorno Advogados