Recentemente, tem-se visto casos de planos de saúde individuais, que estipulam os valores unilateralmente, com aplicação de diversos aumentos abusivos, sem referência ou justificativa demonstrada, em dissonância com o regulamentado pela Agência Nacional de Saúde – ANS – para pessoas físicas, que deve servir de paradigma obrigatório para o cálculo dos aumentos de planos de saúde individuais
Tais aumentos ilegais vêm gerando onerosidade excessiva para os consumidores, que se veem obrigados a investir um valor muito maior do que o devido.
Mais precisamente, via de regra, surpreende o aumento da mensalidade antes dos 60 anos, no escopo de fugir das vedações do Estatuto do Idoso, com majorações que chegam a mais de 90%, isto é: mensalidades que praticamente dobram de valor.
Via de regra, com medo de não terem o plano de saúde e para conservar sua boa-fé e não se tornar inadimplente, os consumidores costumam pagar integralmente os valores referentes ao prêmio, para apenas a posteriori questionar a validade do aumento junto à operadora ou mesmo perante o Judiciário.
Impende ainda salientar que, para os planos individuais, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) determina os reajustes, que devem ser observados pelas seguradoras, sendo evidente que, se em descompasso com o percentual assinalado pelo órgão, o consumidor pode questionar a majoração.
Verifica-se que, os planos de saúde, objetivando burlar as disposições do Estatuto do idoso, o qual veda aumentos pela faixa etária após os 60 anos de idade, aplica aumentos abusivos e ilegais aumento entre 56 e 59 anos de idade dos consumidores, nitidamente tentando se afastar da vedação contida no Estatuto do Idoso.
Assim, ainda que haja cláusula contratual que permita reajuste entre tal faixa, deve-se tê-la manifestamente nula (dada a desproporcionalidade do aumento), motivo pelo qual deve ser assim declarada, caso venha a haver ajuizamento de ação.
Impende salientar que a regulamentação da ANS para pessoas físicas constitui o paradigma a nortear os aumentos, no que tange à atualização monetária, devendo ser seguida pelos convênios, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Como consequência, para planos individuais, são inconcebíveis aumentos violando o percentual da ANS e orbitando em torno de 90%, por exemplo.
De certo que as abusivas condutas dos convênios médicos destroem o binômio lealdade-confiança que deveria nortear a relação contratual, por expressa disposição da lei civil, a qual elegeu a boa-fé objetiva como viga mestra em cima da qual se assentam todos os princípios que regem as relações contratuais.
Tal comportamento antiético das operadoras de plano de saúde, submetendo consumidores a um aumento unilateral abusivo e desapegado dos padrões estabelecidos pela Agência Reguladora e pela própria lei, acentua a vulnerabilidade dos segurados. Extrapola-se o limite da boa-fé objetiva prevista no artigo 422, Código Civil, que resguarda a probidade e boa-fé nos seus contratos.
Ainda, aumentos abusivos do plano de saúde violam o disposto na Lei 8.078/90, artigo 51, IV, na medida em que propostos aumentos abusivos e com onerosidade excessiva ao consumidor, sem qualquer padrão ou referência de ajuste, causando temor e insegurança – razões pelas quais, deve o reajuste individual da ANS servir como paradigma, com declaração de nulidade da cláusula contratual de aumento por faixa etária.
Observa-se que a jurisprudência consolidada no âmbito do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo caminha no sentido supra, de que os reajustes operados pelo convênio de modo aleatório, sem respaldo atuarial e causando onerosidade ao consumidor são abusivos e ilegais, motivo pelo qual são nulos de pleno direito, conforme se depreende de caso infra, a partir da atuação do nosso escritório:
“Nota-se que o reajuste aplicado aos 56 anos foi de 95,81%. Ora, o contrato firmado entre as partes prevê apenas as faixas etárias para o seguro, não havendo qualquer previsão dos reajustes a serem aplicados, que foram estabelecidos posterior e unilateralmente.
Trata-se, destarte, de índice totalmente aleatório, desprovido de qualquer base contratual e atuarial, o que coloca a autora em situação de vulnerabilidade, razão pela qual é patente sua abusividade.
Declarada a abusividade do reajuste operado, a restituição dos valores pagos a maior é consequência lógica, a fim de evitar enriquecimento sem causa.
Por estas razões, cumpria mesmo ao Magistrado reconhecer a nulidade de cláusula contratual que prevê reajuste por faixa etária. (…)
Assim e porque a ré não se desincumbiu do ônus de apresentar a nota técnica atuarial, para fins de verificação da previsão de variação por faixa etária, nos termos das diretrizes da Súmula Normatiza 3/2001 da ANS e também diante da falta de provas do incremento da sinistralidade, tem-se que os aumentos devem ser extirpados, substituídos pelos índices da ANS.” (grifos nossos)
TJSP, Apelação 1010767-27.2021.8.26.0008, Relatoria de Moreira Viegas, j. em 10/06/22
De certo que a correta interpretação da lei, condenando os reajustes imotivados que rompem com a boa-fé objetiva, traduzida nos deveres de lealdade e transparência, também é acolhida pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça – REsp nº 1.568.244 RJ (2015/0297278-0) – Tema 952, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 14 de dezembro 2016, segundo o qual:
“a) No tocante aos contratos antigos e não adaptados, isto é, aos seguros e planos de saúde firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 9.656/1998, deve-se seguir o que consta no contrato, respeitadas, quanto à abusividade dos percentuais de aumento, as normas da legislação consumerista e, quanto à validade formal da cláusula, as diretrizes da Súmula Normativa nº 3/2001 da ANS;
Inequívoco, assim, que o consumidor dispõe de ferramentas, para poder questionar aumentos abusivos, atuando frontalmente contra tais condutas, no desiderato de que estas sejam desestimuladas.
Fernanda Giorno de Campos, advogada, pós graduada em Direito Econômico e Setores Regulados pela Fundação Getúlio Vargas, é sócia do Lopes & Giorno Advogados